Governo renegocia 86% da dívida e beneficia os grandes

A dívida agrícola terá 86% de seu total renegociado. O valor foi divulgado ontem, com o anúncio da Medida Provisória que trata da renegociação da dívida agrícola. O percentual corresponde a R$ 75 bilhões do estoque total da dívida agrícola, calculada em R$ 87,5 bilhões. Segundo informações do Ministério da Agricultura, o benefício deve se estender a 2,8 milhões de contratos.
Quem mais tem a comemorar são os exportadores já que a maior parte da dívida está nas mãos dos grandes agricultores. No caso da securitização, por exemplo, a dívida acumulada com valores acima de R$ 200 mil ultrapassa os R$ 3,8 bilhões, valor maior que a soma da dívida de todos os outros produtores.
Para a agricultura familiar, entre outras medidas, haverá desconto de 15% a 35% nos pagamentos das operações do Pronaf na modalidade custeio contratadas nas safras 2003/2004 a 2005/2006. Segundo a MP, também serão reduzidas as taxas de juros das operações do Programa Nacional de Crédito Fundiário, além de se permitir a renegociação do saldo devedor inadimplente.
Os produtores de arroz e soja, segmentos que registraram as maiores valorizações nos preços no mercado interno, são os que devem ser mais beneficiados. No caso da soja, a estimativa é de que aproximadamente 70% dos produtores sejam favorecidos com a rolagem das dívidas. Isso porque o setor é um dos maiores tomadores dos programas de refinanciamento do governo, especialmente o Securitização e o Programa Especial de Saneamento de Ativos (Pesa).
"Principalmente para esses dois programas, os descontos no pagamento vão de 40% a 75% em função do tamanho da dívida. O mote da renegociação é estimular o produtor a pagar a conta. A dívida acumulada é oriunda de décadas", diz Homero Pereira, presidente do Conselho Nacional de Endividamento da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Para os rizicultores, a renegociação nessa safra representa uma renovação desse segmento. Sem ter remuneração que compensasse os custos de produção por três safras seguidas muitos produtores já pensavam em abandonar a cultura. "Carregar o endividamento proveniente de planos anteriores estava desestimulando o plantio. Já não havia mais aportes em tecnologia e a produtividade estava caindo", afirmou Rubens Silveira, diretor comercial do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
Mesmo otimista em relação a MP, Silveira ressalta que a maior preocupação do rizicultor agora são os custos da nova lavoura. "O custo de implantação da nova lavoura vai ser bem maior, vamos ter que repetir os preços remuneradores na próxima safra, mas a renegociação vem como um alento".
Apesar de a renegociação ser benéfica para todos os produtores do agronegócio, para a pecuária de corte, por exemplo, o impacto será menor pois não há acúmulo de endividamento. Segundo Antenor Nogueira, presidente do Fórum de Gado de Corte da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o perfil do setor pecuário é diferenciado dos grãos, onde são necessários valores maiores para custear as safras.
Polêmica
A tão esperada Medida Provisória (MP) que prevê a reestruturação do endividamento dos produtores rurais, da ordem de R$ 87,5 bilhões, anunciada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e divulgada hoje no Diário Oficial da União, será contraposta pela bancada ruralista ainda essa semana. A Frente Parlamentar de Agricultura, apoiada pela CNA, pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), já trabalha na eleição de um relator para a série de emendas ao texto da MP que serão encaminhadas ao Legislativo. "Até agora nossas decisões tiveram como base uma visão técnica, mas agora vamos avaliar politicamente as alterações que vamos pedir", disse o presidente da frente parlamentar, o deputado Waldir Colato.
Histórico
O conjunto de medidas ajuda a amenizar o impacto das dívidas para o campo, mas ainda não traz soluções definitivas, na opinião de Alexandre Mendonça de Barros, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "O Brasil precisa de mecanismos de proteção de preços futuros, como o mercado de opções.
O setor é muito suscetível à volatilidade, o produtor fica com todo o risco e quando o preço cai muito, gera problema que se materializa em dívida", diz.
A partir de 2003, o acúmulo da dívida se tornou insustentável depois de anos de câmbio desfavorável e queda de preços no mercado externo.

Priscila Machado / Érica Polo
DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA E SERVIÇOS - 28/05/08 - AGRONEGÓCIOS